O Boteco: Coachella Dia 3
27/04/2010 12:10
Coachella #DIA 3- Todo Festival Tem Seu Fim |
Último dia de alguma coisa muito boa você sabe como é. É aquele desespero de aproveitar tudo e todos os segundos. Chegamos ainda mais cedo do que ontem, e hoje eu estava a fim de viajar nas pessoas. Tenho uma curiosidade antropológica, uma fascinação pelo ser humano, e aquele lugar ali era extremamente propício para a observação. Além dos personagens incríveis, era uma situação que não tenho muita oportunidade de vivenciar por aqui: eu era só mais um. Podia olhar e olhar a vontade que ninguém reparava em mim, podia fotografar, e podia interagir com as pessoas sem que elas tivessem nenhum conceito formado ao meu respeito. Eu era uma folha em branco. É interessante poder se relacionar sem pré-julgamentos: se a pessoa não sabe nada sobre você, não há projeção e nem expectativa. Suas reações acabam sendo mais instintivas porque você não se sente tentado a preencher a espera do outro. É se reinventar. Nosso QG nesse dia foi debaixo do Ascension- um pássaro gigante em formato de origami, mais uma das obras de arte expostas por lá. Graminha, rodinha, De La Soul rolando de fundo, frozen lemonade pra misturar com a Absolut (sim, o golpe de ficar invísivel pra passar pela revista funcionou de novo). Os amigos gringos: “Whatha fuck are u doing?”. Caipirinha, man. Conhece não? Brasil e pá? Estávamos nesse idílio amistoso quando um brother que estava com a gente me aparece encharcado. “Cara, tá rolando um negócio muito louco ali, ó!”. Claro que eu peguei a câmera e fui lá. Um som muito alto rolando, pessoas em trajes de banho (ou não) dançando, e um cara em cima do palco com uma pistolona de água, esguichando na galera sem parar. Era tipo um banho de mangueira coletivo, uma pool party só que sem pool. Com aquele calor escaldante, foi a melhor ideia que eles podiam ter tido. (Pausa. Estou no limbo das memórias. Definitivamente, não tenho a menor ideia do que aconteceu depois disso) Ok, hora de ir ver os shows. Comecei pelo Julian Casablancas, e tava cheião. Logo na segunda música ele manda Hard To Explain do Strokes, e a galera vai ao delírio. Depois, músicas do disco solo dele e eu pulei pra outra tenda pra ver a Charlotte Gainsbourg. Som calminho, cool, perfeito pra minha morgação daquele dia. Confesso: com o acúmulo dos dias eu já estava completamente exausta, mais a fim de curtir o espaço físico. E fui dar uma voltinha na roda gigante diante de um belo pôr-do-sol. Lá embaixo, pessoas-formiguinhas. O próximo show que eu fazia questão de ver era o do Thom Yorke, e enquanto ele não começava fiquei no Beer Garden tomando uns drinks e conhecendo gente. Muitas coisas me marcaram nessa experiência do festival, e uma delas é a forma que as pessoas interagem por lá. Tipo de eu estar sentada na grama e colar uma menina do meu lado numas de “oi, tudo bem? de onde você é?”, e terminar a conversa com um adorável “bye, happy Coachella!”. Tracei um paralelo com nosso querido país, e vi o quanto às vezes a gente têm medo e é naturalmente desconfiado quando alguém se aproxima assim, do nada. É tanta gente tentando tirar vantagem do outro, tanta gente querendo se dar bem que isso faz com que os dois pés estejam sempre atrás. Ou talvez seja só eu? Lá, pude refletir muito sobre algumas diferenças. O fato de entrar no meio da muvuca e saber que ninguém vai abrir sua mochila. O fato de não ter visto UMA briga sequer, nem mesmo uma discussão, e NENHUM segurança ou policial visível num espaço com 60 mil pessoas reunidas. Simplesmente não era necessário. O cuidado com o outro e o respeito à liberdade individual: todos podiam fazer o que quisessem, desde que não incomodasse o próximo. Fumar, beber, deitar na grama, se vestir de super herói- ninguém tava nem aí. Um legalize geral e pacífico. Meninas andando semi-nuas, de biquini ou algo assim, e sem ter que aguentar homens babões olhando ostensivamente para seus corpos ou chamando de gostosa quando passavam. Isso é engraçado se comparado ao Brasil. Aqui é a terra do “corpo”, certo? Carnaval, bundas, etc. Teoricamente deveríamos ter uma melhor aceitação em relação à mulheres com vestidos curtos, justos, ou decotes. Mas, experimente andar na rua desse jeito e é um festival de grosserias ao pé do ouvido por parte de homens machistas; correndo até o risco de ser linchada-vide Geisy. Porque ver bunda na TV e na revista é legal, mas mulher que sai assim na rua é tida como puta. Certeza que tá querendo dar. É uma hipocrisia e uma contradição sem tamanho, é uma falsa liberdade. Me perdi nesses pensamentos, percebendo que estamos léguas distantes de uma sociedade evoluída, e desejando ardentemente que nosso povo chegue lá. Educação, e consciência. O famoso “jeitinho brasileiro” algumas vezes implica em se achar muito esperto por ter se dado bem numa situação, mesmo prejudicando o outro. Como furar fila, ou não devolver um troco que veio a mais. Ou ter seu carro arranhado na rua porque você não deixou uma grana com o flanelinha. Tem a ver com miséria também, obviamente. Bem, xá pra lá. Perdoem a longa divagação, mas eu avisei que nesse dia eu estava mais contemplativa. Emergi daí direto pro Pavement. Fiquei curtindo de longe, as panturrilhas em fogo, dor em todos os músculos, é exaustivo de verdade o negócio. Estava economizando meu último suspiro para o Thom Yorke, esse eu fazia questão de ver direito. Showzaço. Com direito a Flea ( Red Hot Chilli Peppers) no baixo aloprando geral, e um percussionista brasileiro. O repertório foi mais do disco solo dele, The Eraser, mas quando ele tocou Everything In Its Right Place eu quase pari um tijolo. Dentre tantas, ele resolve tocar uma música do meu disco favorito do Radiohead, o Kid A. Emocionei. Não sabia se ria ou chorava, ou os dois, ou nenhum. Ele tocou também algumas novas que -dizem as boas línguas- são prováveis canções pro próximo disco do Radiohead. Numa delas ele entrou sozinho com o violão, e com a ajuda de um pedal “loopeou” um verso e uma levada. Depois tocou outra levada e cantou outras frases em cima do looping, usando este como base. Funcionou muito. O visual do show é lindão, umas luzes azuis se entrelaçando no palco, como uma cama de gato feita de neon. Palco meio escurinho, mais luz de contra, bem do jeito que eu gosto. E não é que Mr. Yorke me saiu um bom de um gaiato? Todo animadinho, deu até umas sambadinhas de gringo, bem diferente daquela postura introspectiva que a gente está acostumado a ver. Depois disso, só faltava mesmo o Gorillaz, já estava aquele clima de “acabou”. Eu, mal conseguia ficar de pé. Voltamos pro nosso QG debaixo do pássaro-origami para esperar o resto da trupe, e ao meu redor todos estavam tão acabados quanto eu. A cena de uma garota dormindo de ladinho na grama com um prato de papel sujo de, sei lá, nachos, entre as pernas usado como travesseiro ilustra bem a situação. Fiquei curtindo o Gorillaz de longe. No bis eles tocaram Feel Good Inc., e aí TODOS os zumbis que estavam espalhados pelo chão se levantaram e começaram a cantar. Até a menina do travesseiro de nachos. Parecia madrugada dos mortos, e só mesmo aquela música para fazê-los ressucitar e dançar pela última vez no Coachella 2010. Na saída, quando todo se afunilavam para passar pelo portão, alguém puxou uns gritos e palmas. Um imenso coro se formou numa barulhenta saudação de despedida daquele fim de semana lúdico, lisérgico e especial. Não fosse o cuidado de tomar notas, e poderia facilmente ser enquadrado por mim na categoria “lost weekend”. Benditos papel e caneta. |