Entrevista

 

 

Com a primeira década do novo século chegando ao fim, algumas coisas já podem ser afirmadas com certa tranquilidade. Não dá pra negar que, goste-se ou não dela, Pitty foi o rosto feminino mais popular e marcante a surgir no pop brasileiro nos anos 00.
 

Caroline Bittencourt
Pitty letras
Pitty

Desde 2003 a cantora serve especialmente de voz e guia em especial para muitos jovens, mas em particular para um tipo de garota: aquela que não é nem patricinha guardadora dos bons costumes mas também passa longe estilo "bagaceira". Um tipo de garota que se preocupa em ter estilo, não vê problema em ser vaidosa e que busca sempre a auto-afirmação.

Pitty acabou de lançar Chiaroscuro, seu terceiro álbum de estúdio que em breve ganhará a companhia de um DVD.

Para falar sobre esses e outros assuntos mais, o Vaga-lume foi mais uma vez atrás de Pitty para saber o que ela tem a dizer. O

 

Tirando o disco ao vivo esse é o seu primeiro disco em quatro anos. Você tinha planejado dar esse tempo maior entre os discos ou foi algo que fugiu do seu controle?

 

Não fugiu do meu controle, foi uma opção, uma escolha. Preferi aproveitar a boa onda em que estava com a turnê do DVD e deixar pra gravar quando tivesse mais conteúdo. É terrível essa obrigatoriedade que impõem ao artista de que ele tem que gravar todo ano, mesmo que seja um revival do disco anterior. Pra mim é significativo gravar um disco quando se tem algo relevante a dizer.


 

Nesse tempo você compôs bastante ou as faixas do Chiaroscuro são mais ou menos recentes? Sobraram canções inéditas dessas sessões?

 

Escrevi algumas coisas, mas a vida na estrada consome muito tempo e energia. Escrevo mais e melhor nos momentos de ócio. A maioria das músicas do Chiaroscuro foram feitas quando fiz uma pausa após a turnê do DVD, outras eu resgatei dos meus cadernos. Sobraram algumas, sempre tem coisa escrita e não usada. Um verso, uma melodia, um riff. Se ainda me lembrar deles daqui a um tempo, merecem virar música.


 

Pra você o que esse disco traz de diferente em relação aos anteriores? O seu estilo do compor ou cantar mudou em alguma coisa?

 

Caroline Bittencourt

Pitty letras

Pitty

O jeito de compor, tocar, cantar, pensar, viver é um processo evolutivo e sem volta. Sempre tem algo diferente pra descobrir e aprender. As coisas que escutei, li e acumulei durante esse tempo deram as caras nesse disco, e por isso as diferenças. Descobri o poder da sutileza, da ludicidade, do mistério. Aprendi a rechear as canções com elementos distintos, timbres ainda não usados.


 

O cd também dá a impressão de que você andou assimilando outras influências no seu som. "Me Adora" parece ter um lance meio Ronettes. Tem a ver? Tem alguma outra nova influência que foram mais fortes na hora de fazer as novas músicas?

 

Total Ronettes. Be My Baby, pra ser bem exata, e todas as gravações do Phil Spector, com aqueles coros e reverb de mola, bem old school. Outras coisas que aparecem ali tem a ver com música clássica - em Água Contida eu até cito a Habanera de Carmem (da ópera de Bizet). Nos últimos anos escutei muita coisa que prioriza a textura como Last Shadow Puppets, Morrisey, Scarlett Johansson, e isso de alguma forma deve ter mexido comigo porque nesse disco não falta textura. E todas as outras coisas que já escutava antes também tem seu lugar; as novas somente se somam as anteriores sem que elas se anulem.


 

Por falar em Me Adora, ela foi visualizada mais de 120 mil vezes no Vagalume no mês passado. Fale um pouco sobre ela pra gente. Você de primeira sacou que ela poderia ser o primeiro hit do álbum?

 

Caroline Bittencourt

Pitty letras

Pitty

Não saquei e no primeiro momento nem achei que ela deveria ser a primeira. Não a considero a síntese do disco, e achei que isso poderia confundir. Por outro lado - e isso fez com que me decidisse- não havia uma só pessoa que não a escutasse na pré-produção e não saísse cantarolando a melodia, e todos vinham comentar comigo a respeito da letra. Cheguei a conclusão de que se alguém se limitasse a tirar o disco por uma música, azar o dele, porque as músicas são bem diferentes entre si. E valia o desafio de chegar depois de quatro anos com algo diferente, sendo que o que impera é a mesmice de sempre que ninguém aguenta mais. É preciso coragem, das bandas, dos veículos, do público, do contrário nada se movimenta. E o resultado foi melhor do que eu esperava, tem sido a coisa mais divertida do mundo tocar essa música ao vivo.


 

O seu caso é curioso, porque você surgiu já na era dos downloads, mas acabou aparecendo para o grande público por meio das mídias mais tradicionais como televisão e rádio. Seria você uma das últimas estrelas "moda antiga" do nosso pop?

 

Não sei, pode ser. Eu sou old school mesmo, eu divulgava a minha primeira banda enviando fitas demo com capinha de xerox para fanzines de papel! Não havia internet, era correio e paciência.


 

O que você vê de bom e ruim nessa nova ordem onde as bandas surgem e se divulgam bem mais pela net do que pelas vias " tradicionais"?

 

Caroline Bittencourt

Pitty letras

Pitty

O bom é a possibilidade democrática de qualquer um chegar ali e montar um site, disponibilizar as músicas, etc. O ruim é o mesmo, salvo as devidas proporções. Do mesmo modo que a internet se tornou um espaço pra quem tem um trabalho bacana, com qualidade, também se tornou o triunfo do amador. Não há critérios. O julgamento fica então, a cargo de quem escuta, gosta ou não.


 

Você também foi provavelmente a figura feminina que mais impacto causou no nosso rock nessa década. Você sente que influenciou o estilo de vida ou o visual de seus fãs?

 

Sinto somente porque eles me contam, ou outras pessoas me chamam a atenção para isso. Não fosse assim e eu acharia tão somente que estava lidando com pessoas que partilham dos mesmos gostos e interesses que eu.


 

E como é o seu relacionamento com eles? Você curte bater papo com fãs na rua, depois dos shows ou mesmo via blog ou twitter?

 

Alguns fãs se tornaram verdadeiros amigos. É gente que tem assunto em comum, gosta de ler, admira arte como nós aqui. Já outros gostam do meu som mas não tem absolutamente nada a ver comigo, e a grande lição foi aprender a lidar com esses também. Me dou ao direito de dispensar o pouco tempo disponível que tenho as pessoas que me alimentam, que são todos eles. A comunicação via Twitter tem sido um trunfo, embora eu não consiga ler todas as mensagens, sei que ali posso falar diretamente com as pessoas.


 

O Brasil tem uma tradição de cantoras, mas as roqueiras são poucas. Você acha que o fato de ser roqueira (e também da Bahia) ajudou ou complicou o deslanchamento da sua carreira?

 

Caroline Bittencourt

Pitty letras

Pitty

Acho que foi um diferencial, o fato de ser mulher tocar rock. Mas não é só isso que conta; volta e meia tentam empurrar goela abaixo a nova banda feminina do momento e não dá em nada. Tem que ser espontâneo e natural, verdadeiro. Não que não existam, eu conheço muitas meninas que tem banda e que são completamente verdadeiras. Deve ter a ver com o momento também.


 

Como você imagina a próxima década para você e para o rock brasileiro? Você é de fazer planos a longo prazo?

 

Não sou de fazer planos a longo prazo, e diante do cenário atual é melhor nem arriscar. O que vejo hoje nos grandes meios de comunicação é bem desestimulador, é uma apatia geral, uma falta de coragem pra se posicionar, um bom-mocismo sacal. Enquanto isso, no submundo, as coisas fervem.


 

E a nova turnê? Quando ela começa e como ela vai ser?

 

Ela já começou. Para quem quiser saber das datas é só olhar nossa agenda no www.pitty.com.br
A turnê do Chiaroscuro segue o conceito do disco, com palco, iluminação e até figurino convergindo para esta idéia de dualidade, contraste, preto e branco. Tocamos algumas músicas antigas também, mas priorizamos as músicas novas.


 

Pra encerrar, o que você anda ouvindo, lendo e assistindo?

 

Tô numa correria enorme, tem sobrado pouco tempo para isso, mas vamos lá: ouvindo o disco novo do Morrissey que é um absurdo de bom; lendo o Chega de Saudade do Ruy Castro e assistindo nada.